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Publicitário premiado, leitor apaixonado e um escritor de talento, Marcos Apostolo nos apresenta sete contos sobre questões relevantes da sociedade contemporânea em seu livro de estreia, “Meu rosto não será como o teu e outros medos”.

Da realidade ao insólito ‘Meu rosto não será como o teu’, ‘Os desterrados’, ‘Antônia está aqui’, ‘Siga sem mim’, ‘Bem-vindo ao Clubee’, ‘Ensurdecedor’ e ‘Não olhe para aquele lado’ desvelam os temores e segredos dos seres humanos. Mistério e suspense permeiam as narrativas da obra, que nos faz pensar sobre absurdos e frutos da intolerância, como: culto à beleza, xenofobia, consumismo, homofobia, corrupção, assédio sexual e desigualdade social.

Na entrevista abaixo, Marcos Apostolo fala sobre os próprios medos, o processo de escrita, o mercado editorial e, também, sobre os autores que o inspiram. Ao final, você vai encontrar um vídeo que retrata o amor pelos livros e o bom humor desse autor promissor.

1 – Em qual momento você viu que existiam histórias suas a serem contadas? Como surgiu a ideia?

Acho que todos nós temos histórias para contar. E não são, necessariamente, histórias biográficas, mesmo que sempre exista algo do autor ali, até a sua imaginação mais delirante. A ideia do livro surgiu de uma sugestão de um amigo meu e que acabou gerando o conto que dá nome ao livro. O insólito, o suspense, o misterioso, o terror e o policial sempre foram categorias de leitura desde que me entendo como leitor. Um desafio me levou ao primeiro conto que levou aos outros. E escrever nos tira do mundo e nos coloca em outro. O que é muito saudável. O mesmo posso dizer como o leitor.

2 – Como foi o processo para escrever “Meu rosto não será como o teu e outros medos”?

Como falei anteriormente, não existia um pensamento além do primeiro conto. Mas a sua temática – o universo digital se torna mais real que a realidade; vivemos e queremos ser infinitos como ele, acabou me direcionando para outras questões que já estão aí há muito tempo, mas que ganharam uma amplitude nessa última década. Temas que confrontam a nossa perspectiva como uma sociedade que pode evoluir ou se fechar no passado retrógrado, conservador, atrasado e desumano. E aí, vieram os outros temas dos contos.

3 – Você diria que esse livro fala sobre os seus medos?

Não são só meus, mas são assustadores, sim. Como podemos ter avançado tanto na ciência e não termos acompanhado, como sociedade, uma mudança de visão mais igualitária, humana, antitudo que discrimina o outro por suas opções? Nenhum avanço material ou científico já conquistado serve quando não se propõe a ser para todos. E isso dá medo. Os monstros não estão debaixo da cama. Estão em volta dela. Mas o medo que nos encurrala, também nos faz reagir. E isso estamos vendo cada vez mais, por meio das redes sociais, movimentos de rua, organização de grupos ativistas… ter medo não significa não poder combatê-lo.

4 – Qual foi o principal desafio durante a escrita?

Escrever já é um desafio. Você assumir que pode não chegar ao fim ou não imaginar até onde pode chegar. Saber se a forma como você escreve e o que escreve interessarão ao leitor; trarão algo que provoque emoções. Talvez, lendo hoje, eu reescrevesse tudo de um outro jeito, mas ainda com o mesmo teor das histórias. Escrever é moldar; quanto mais você escreve, mais o molde se transforma e você descobre outras experiências de exercitar a escrita. Escrevi esses contos tentando manter uma linguagem que despertasse a curiosidade, principalmente olhando para o adolescente e o jovem adulto. Não com menos cuidado, mas capaz de se mostrar interessante ao ponto de se disputar a atenção com tantas coisas acontecendo. Provocar uma reflexão ou chamar a atenção. Pretensioso, mas uma tentativa. Escrever nos ajuda também a nos conhecer.

5 – Você tem um conto que mexeu mais com você durante a escrita? Algum favorito?

Eu diria claramente que “Meu rosto não será como o teu” tem preferência por ter sido o primeiro a provocar o resto. Mas tirando esse critério, seriam; OS DESTERRADOS (um dos que mais gosto), ANTÔNIA ESTÁ AQUI, BEM-VINDO AO CLUBEE e NÃO OLHE PARA AQUELE LADO… ou seja, sobrou pouco. Acho que cada um me agrada de um jeito diferente.

6 – Você aborda alguns temas polêmicos no seu livro. Tem medo da repercussão?

Sim, tenho. Honestamente. É arriscado escrever. Porque a forma escolhida para provocar o interesse pelo assunto não significa que você é o personagem ou concorda com o que ele pensa. Hoje, temos essa busca pelo conflito e por exacerbar confrontos sem a oportunidade de abrir discussões enriquecedoras. Prefiro que provoque uma troca, um conversar sobre os temas. O mais importante é não deixá-los de lado, não ignorá-los, mas sim, colocar novas vertentes sobre esses temas.

7 – Sua primeira obra percorreu pelo caminho dos contos. O que te fez optar pelo gênero? O que te encanta neles?

Como escritor, sou ainda reflexo do que sou como pessoa. Ler sempre foi uma preferência de entretenimento para mim. Li de tudo: HQ, livro de bolso, clássicos, romance, enciclopédia, revistas… mas sempre, também, fui muito televisivo, que era o opção de época. Filmes, desenhos animados, séries…e, como publicitário, sou um contador de histórias rápidas. Também acrescentaria hoje ao meu mundo “literário” digital, o podcast; fantástico e cada vez mais elaborado na sua narrativa. Enfim, não tenho uma preferência por contos ou romances; foi um caminho esse o do conto. Talvez a forma como surgiu a primeira ideia levou a isso. Mas conto e romance são abordagens bem particulares, ambas fascinantes e de esforços distintos. Hoje, o mundo das séries é uma presença forte, pois vejo, ali, muita literatura. O conto é uma temporada contada em um trailer.

8 – Conte-nos sobre a sua literatura. Já tem outro trabalho em mente? Pretende escrever outros livros?

Como falei na introdução do livro, tenho vários livros publicados na minha cabeça. Mas tenho um romance escrito e na gaveta; contos avulsos; microcontos; um romance iniciado e dois que me perseguem todos os dias, perguntando “quando você nos deixará sair?” Pretendo atendê-los em algum momento.

9 – Não têm sido tempos fáceis para o mercado editorial, tanto para editores quanto para autores. Mesmo assim, todos nós, apaixonados pelos livros, persistimos. Como você tem observado esse cenário da nossa literatura?

Como disse o saudoso compositor Nelson Sargento, velha-guarda da minha escola do coração, Estação Primeira de Mangueira, em relação ao samba: “agoniza mas não morre”. Vale para o mercado editorial. Já tentaram matar o livro muitas vezes: não conseguiram. As livrarias sofrem, claro. Antes da pandemia, muitas novas livrarias de bairro abriram na contramão da compra apenas digital. Mas veio a pandemia e muitas pereceram. Mas, aí, os livros voltaram a ser parte da vida das pessoas; redescobriram eles como uma companhia na reclusão de suas casas. Enfim, o livro navega sempre em ondas diferentes, mas sempre encontra um porto para se abastecer e continuar a viagem. E as livrarias são esse porto, esse farol. E mais: a pandemia vai reforçar uma tendência que já vinha – o emocional também precisa do físico, não basta o digital para resolver nossas relações emocionais. Até empresas nascidas digitais – Amazon, Netflix, por exemplo, começam a ter pontos físicos de contato com seus clientes. Não há uma resposta para ter ou não ter livrarias. Para mim, não tem OU. Tem E. É o e-commerce e a livraria. E livros e livrarias têm algo que sobrevive – a paixão por ambos, para quem trabalha com esse universo e para aqueles que se deixam encantar por ele. Eu prefiro namorar as coisas que posso tocar e sentir, na sua forma e cheiro. Livros e livrarias me correspondem nessa paixão.

10 – Todo bom escritor é, antes de tudo, um bom leitor. Poderia nos contar quais autores são responsáveis pelo Marcos Apostolo de hoje? Quais autores são a sua inspiração?

Antes de mais nada, obrigado pelo bom escritor. Isso saberemos com o tempo. Quanto aos autores, seria uma vida falando onde não caberiam todos. Como agradecer ter ganho o Oscar e esquecer alguém. Podemos começar escolhendo alguns brasileiros de longa data. Machado, Os Veríssimos, pai e filho, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Vinicius de Moraes, Drummond, Clarice, Aldir Blanc… os latinos, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Cortázar, Borges… lá pro Norte, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Bernard Shaw, Mark Twain, Jack London, Philip Roth, Dennis Lehane… e além-mar, vamos de Sir Arthur Conan Doyle, Poe, Rilke, os escritores clássicos, alguns franceses e russos… mas, em especial, o português José Saramago, caso tivesse que escolher um nome… eu li muito e variados autores. Quando cito esses, estou me referindo ao início de minhas leituras e uma longa caminhada entre elas… a abertura para os escritores africanos acrescentou novos nomes na minha estante… o que foi muito descobridor. E novos autores brasileiros também. Mas vale notar que a minha pequena lista é feita de escritores homens e brancos… o que mostra que o mundo editorial é também o reflexo de uma sociedade exclusiva… independentemente da qualidade deles, mulheres brancas, escritoras e escritores negros, não nos eram apresentados ou pouco publicados. Mas isso está mudando, ainda bem. E só para responder diretamente a segunda pergunta. A leitura me inspira, mais até que um autor ou outro.

11 – Agora, depois do livro lançado, teria algum conselho a dar para novos escritores?

Que não façam como eu; tenham mais disciplina. Escrevam todos os dias, leiam todas as horas que puderem. Mas, também, tirem a cara do livro e leiam a vida que está acontecendo em volta. O poeta alemão, Maria Rilke no livro “Cartas a um jovem poeta”, pergunta em algum momento ao poeta do título se ele “morreria se não escrevesse?”. Pode parecer extremo ou radical, mas há, aí, uma questão; o quanto você precisa realmente de escrever na sua vida? O quanto isso é tão fundamental para você, como comer e beber água. Você não faz isso o dia inteiro, mas faz em algumas horas do dia. Ler e escrever são alimentos. Se nada disso faz falta no seu “organismo”, talvez não seja tão necessário para você. Tudo bem. Isso não é um problema. O Rubem Fonseca tem uma frase que diz “nada pode impedir você de ser escritor. Mas é preciso querer ser escritor todos os dias”. E ele admite que se tivesse que escolher entre ser escritor e leitor, ficaria com a segunda opção. Mas esta não pagaria os boletos. Meu conselho é esqueça os conselhos. Todos os escritores falam da dificuldade de ser, de sentar e escrever. Mas no final, construíram grandes obras. Não há uma fórmula, mas existe uma certeza: comece!

 


 

Entrevista:

Nataly Nunes | Jornalista na editora Imperial Novo Milênio.

1 Comentário

  • Thayane Posted setembro 23, 2021 5:54 pm

    Ótima entrevista!!

Comentários

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