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Durante muitos anos, acreditou-se que havia somente uma maneira correta de se falar uma língua. Com o surgimento da Linguística – ciência que estuda a capacidade da linguagem, a partir da observação de seu uso falado e escrito e levando em consideração os fatores que influenciam esse uso – descobriu-se que, na verdade, toda língua humana sempre vai ter mais de uma maneira de ser utilizada, porque os falantes são criativos e mudam sua fala de acordo com fatores internos e externos, como a idade, o sexo, a escolaridade e o local onde vivem.

A essa noção de que há maneiras de se falar a mesma língua, chamamos variação linguística. Com essa ideia, conseguimos compreender o porquê de, em um país como o Brasil, por exemplo, termos tantas diferenças na fala – seja no uso de palavras, seja na pronúncia ou na organização das frases –, ainda que todos sejamos falantes de Português Brasileiro. Cada uma dessas formas diferentes de falar são chamadas de variedades linguísticas, e é através delas que a língua se mantém viva e vai mudando com o tempo, sempre de modo a simplificar a comunicação e torná-la mais eficiente entre as pessoas.

É o caso da palavra “você”, hoje tão comum na nossa fala do dia a dia. Antigamente, essa palavra era, como vemos nas novelas de época, “vosmecê”. Antes disso, ainda, a pronúncia era “vossa mercê”. O que aconteceu para chegarmos ao “você” de hoje? Um processo chamado mudança linguística. De tanto as pessoas usarem a expressão “vossa mercê”, e com a tendência natural de fazer a comunicação ser mais rápida e eficaz, as duas palavras começaram a se juntar na pronúncia, virando “vosmecê”. Mais tempo foi passando, mais pessoas usando essa palavra, e logo ela tornou-se o “você” que usamos hoje. E essa pequena palavra ainda pode nos reservar mais surpresas!

Hoje temos uma variação entre o uso de “você” e “cê”, uma versão ainda mais contraída da palavra. Isso significa que as pessoas usam os dois, a depender de contextos e locais. Daqui a muitos anos, é possível que o “cê” substitua o “você” completamente, como aconteceu com o “vosmecê”. Essa é a tendência da língua: mudar para permanecer em movimento e se adequando às necessidades dos falantes.

Tudo isso nos mostra que a língua é viva e que não há como aprisioná-la em uma única forma de falar considerada correta. A Sociolinguística – ramo da Linguística que estuda especificamente as questões de variação e mudança das línguas – vem comprovando cada vez mais que do ponto de vista científico, não há nada que diga que uma variedade seja melhor ou pior do que a outra. Elas apenas têm características distintas e pertencem a contextos diferentes.

Ainda assim, em nosso país o julgamento sobre as variedades linguísticas ainda é muito forte e pautado no preconceito linguístico, sendo possível perceber uma diferença de atribuição de valor à fala das pessoas, de acordo com a variedade que elas utilizam. Desse modo, algumas variedades são prestigiadas e outras estigmatizadas. Isso quer dizer que algumas maneiras de falar são consideradas bonitas, certas e melhores (prestigiadas) e outras são consideradas feias, erradas e piores (estigmatizadas), mesmo que a ciência já tenha desmentido essa ideia.

Em outras palavras, o preconceito linguístico só existe porque as pessoas ACHAM que uma maneira de falar é mais certa que a outra. Mas, se estudarmos – como a Sociolinguística já fez e continua fazendo – as formas consideradas “erradas”, como menaspobremaos menino e pra mim fazer, vamos descobrir que todas fazem sentido dentro de um contexto de regras, que são diferentes das regras aprendidas em contexto escolar, mas que nem por isso são piores do que aquilo que é chamado de certo.

Concluímos que todas as formas usadas na nossa língua têm seu valor, e nenhuma delas deve ser chamada de erro ou desprezada. Mais ainda, não devemos rir, julgar ou humilhar aqueles que usam essas formas, pois todos somos falantes do Português Brasileiro, a nossa língua materna, e devemos respeitar a maneira como cada um se utiliza da sua língua.

Embora tenhamos crescido em uma sociedade que nos convenceu de que existiam maneiras certas e erradas de falar, já é hora de repensarmos esses conceitos, desconstruindo ideias incorretas sobre nossa língua e compreendendo que todas as variedades linguísticas, sem exceção, são igualmente dotadas de regras, corretas e válidas. Um primeiro passo é ficarmos atentos às nossas atitudes, para que não sejamos propagadores de preconceito linguístico.

 

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Thayane Antunes
Doutoranda em Estudos de Língua na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Letras e graduada em Português/Literaturas pela mesma instituição. Dedica-se à divulgação científica, buscando novas e eficientes maneiras de popularizar a ciência. Seu objetivo é tornar conceitos sociolinguísticos acessíveis à população em geral, contribuindo assim com a luta contra o preconceito linguístico.

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